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Sexta - 07 de Junho de 2013 às 21:01
Por: Alexandre Garcia

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O Brasil inteiro ficou chocado com o que aconteceu num prédio de apartamentos em Alphaville, na Grande São Paulo. Enlouquecido pelo barulho, o vizinho de baixo subiu armado, matou o casal do apartamento de cima e se matou. O episódio serviu para chamar a atenção para os efeitos do barulho no Brasil urbano. Em 15 anos de vigência, o código de Trânsito não conseguiu acabar com o barulho dos altofalantes dos carros, o que é infração grave, com retenção do veículo(art. 228). São Paulo precisou agora aprovar uma lei estadual para multar em mil reais o motorista que obrigar as pessoas fora de seu carro a ouvir "música" - em geral um ruído primitivo horroroso, que mais parece som de motor com virabrequim rachado. Há 42 anos, desde que, como repórter, eu caminhava da sucursal do Jornal do Brasil ao centro financeiro de Porto Alegre pela barulhenta avenida Borges de Medeiros, tenho sempre à mão um tampão para os ouvidos - que eram de borracha, hoje são de espuma. Uma defesa que reduz em 40% o barulho.

Há lojas que agridem o cliente com barulhos horrendos no sistema de som. Depois de perguntar se é serra elétrica ou britadeira de alguma reforma, eu me retiro sem comprar, já que a loja não é acolhedora. O mesmo faço em restaurante que tenha música - ao vivo ou em altofalante. Afinal, como alguém vai me obrigar a escutar algo de que não gosto ou não escolhi? Em minha casa janto com música, num volume bem discreto. Cacofonia só pode prejudicar a digestão. No hotel quatro estrelas em que eu ficava no Rio, várias vezes reclamava do volume do som no café-da-manhã. Eu perguntava por que não imitavam hotel cinco estrelas em volume e gênero musical. Pois agora me transferiram para hotel cinco estrelas e fiz as pazes com a serenidade matinal. No café-da-manhã é só música boa e quase inaudível.

Aeroportos e aviões no Brasil agridem nossos ouvidos até a alma, como se fôssemos todos surdos. Em breve seremos, atingidos por essa tempestade de decibéis. E depois que as cidades foram se empilhando para aproveitar terreno e o setor imobiliário ganhar mais dinheiro, o inferno se instalou na vida das pessoas. Materiais cada vez mais leves dão cada vez mais passagem aos barulhos dos vizinhos. É o infernal salto da senhora que anda para lá e para cá sobre nossas cabeças, mesmo ante o cabo-de-vassoura de plantão, para bater no teto; é a criança que chora, o cachorro que late, a vizinha que ronca a noite toda no quarto separado de nossa alcova apenas por uma parede de papelão e gesso.

Acho que estamos ficando surdos precocemente. Percebo isso quando ouço duas pessoas a conversar frente-a-frente, como se estivessem a 50 metros de distância uma da outra. O barulho nos persegue e é uma praga que aumenta a pressão cardíaca e acelera o coração e a respiração. O corpo recebe sinais de ataque e derrama no sangue os hormônios da defesa. E não venham em dizer que no mundo é assim, porque não é. Tóquio é uma cidade silenciosa; Roma deve ter casas noturnas, mas não se ouve o barulho delas e os altofalantes do aeroporto estão em volume civilizado. Nas praias dos Estados Unidos, se alguém quiser ouvir música, terá que usar fone de ouvido, para não perturbar o próximo, que quer ouvir as ondas, o vento e as gaivotas. Há praias em Fortaleza e Vila Velha em que pessoas encostam o carro com mil woofers e subwofers e infernizam a vida de todos. Mas hoje, com passagem a prestação, está mais fácil de fugir disso, passando férias em país civilizado. E depois da insuportável vuvuzela, a Copa nos ameaça com a caxirola que também pode ser arremessada.

Alexandre Garcia é jornalista em Brasília



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