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Quarta - 15 de Fevereiro de 2012 às 14:01
Por: Lourembergue Alves

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“O jogo do anjo”, de Carlos Ruiz Zafón, também fala de livros. Traz a paixão e o envolvimento de quem escreve com o leitor, e deste com aquele, em uma sintonia com a alma de ambos, que igualmente é a da própria obra. Esta, aliás, faz parte de vários romances – independentes entre si – que estão “conectados através do mesmo universo literário”. Daí o retorno ao Cemitério dos Livros Esquecidos, trazido pela “Sombra do vento”, do mesmo autor. “Uma Babel de túneis, passadiços de pontes que mergulhavam nas estranhas daquela catedral feita de livros”.

As páginas de “O jogo do anjo”, contudo, não tratam apenas de livros. Ainda que conte a história de um escritor. A história se passa na Barcelona da segunda década do século XX. Vivida por David Martin, cujo pai era um veterano de guerra violento e abandonado pela mulher. Mãe que não tem contato algum com o filho, e nem o reconhecia como tal, ao mesmo tempo em que a figura paterna desaparecia por conta das “balas” de um assassino. Morto por engano. Bem à frente de Martin. Este, ajudado por quem deveria ter a vida interrompida, começa a conquistar espaços de trabalho em um medíocre jornal, no qual publicava os capítulos de “Os Mistérios de Barcelona”. Porém, depois de alguns anos e na véspera das festas natalina, é exonerado. O chão pareceu-lhe ruir. Novamente as mãos protetoras de Vidal vieram para socorrê-lo. “Foi assim que, poucos meses antes de completar vinte anos”, recebeu e aceitou “uma oferta para escrever romances baratos sob o pseudônimo de Ignatius B. Samson”. Com dinheiro no bolso, apesar de pouco, resolveu abandonar a pensão onde morava para fixar residência num casarão em ruínas. Já instalado, surge à grande proposta. Feita por Andreas Corelli – parisiense e editor de livro. A partir de então, um cenário macabro e misterioso se abre, e que Martin tem que decifrá-lo. Caso contrário, estará definitivamente perdido, uma vez que terá apenas como consolo “o seu nome impresso num mísero pedaço de papel que com certeza viverá mais do que ele”, “já que a sua alma já tem um preço”.

As aventuras se sucedem, e, em meio das quais, o narrador e protagonista se encontra todo enrolado. Só pode confiar em Isabella, sua discípula literária, e no amigo livreiro, Sempere. Este, no entanto, morre logo depois de ter recusado entregar a sua agressora um exemplar da lavra de Martin.

Mortes, mistérios, solidão, desamor e traições, desse modo, fazem parte de uma mesma trama – complexa e sedutora. Tanto que o ledor se sente preso a ela, sem ser capaz de deixar a leitura das quinhentas e setenta e cinco páginas. Leitura facilitada por diálogos vivos, ágeis e por ações eletrizantes. Capazes de gerarem um clima de paranóico pesadelo. Ainda que, vez ou outra, cheias de humor.

Fórmula seguida religiosamente por Zafón. Embora se perceba a ausência de ligação a determinados personagens, além de o final um tanto estranho, com a chegada de Andreas, em companhia da menina Cristina – a quem Martin teria que lhe dedicar todo o tempo do mundo e fazê-la feliz. Pelo menos até que o último suspiro de Cristina se apague.

Isso, entretanto, não subtrai a grandiosidade do romance. Ainda que este, e não sem razão, possa despertar e alimentar a sensação de que David Martin é esquizofrênico. Talvez ele seja mesmo, até ao descrever situações sem lógicas, irreais e fantasiosas. Situações que também podem ser verdadeiras. Decisão tão somente do leitor, ou de quem pegar “O jogo do anjo” para ler.

Lourembergue Alves é professor universitário, analista político e articulista de A Gazeta, escrevendo neste espaço às terças-feiras, sextas-feiras e aos domingos. E-mail: Lou.alves@uol.com.br  



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