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Segunda - 14 de Fevereiro de 2011 às 08:12
Por: Silio Boccanera

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Silio Boccanera é jornalista em Londres (Inglaterra)
Silio Boccanera é jornalista em Londres (Inglaterra)

Correu mundo uma foto da atriz americana Meryl Streep incorporada como a ex-primeira-ministra britânica Margaret Thatcher, no filme A Dama de Ferro, ainda em produção. A direção é de Phillipa Lloyd, que comandou Streep na versão cinematográfica de Mamma Mia - o musical açucarado e grande sucesso de público - sobre o conjunto sueco Abba.

O que mais chama a atenção na foto de Streep é seu aspecto sedutor, olhos brilhantes, pele sem rugas, lábios entreabertos. Em parte, aparece assim porque a atriz é mesmo bela e atraente, mas percebe-se que a direção do filme optou por não usar maquiagem que refletisse o lado mais duro e antipático de Thatcher, alguém que tratava com brutalidade até seus ministros (para nem falar dos desempregados e grevistas) e ganhou o apelido Dama de Ferro dos soviéticos que com ela negociaram.

Deduz-se que o filme pretende mostrar um lado de Thatcher mais pessoal, talvez até mais sensual, o que muitos consideram impossível e poucos enxergam nela. Uma das exceções foi o ex-presidente francês François Mitterand, que a confrontou em negociações duras, mas que também observou "olhos de Calígula e boca de Marilyn Monroe". Marilyn? Se ainda fosse Lucrécia Borges... Que esforço de imaginação da velha raposa na política francesa, ele mesmo um sedutor de damas fora de seu casamento.

Sabe-se pouco do filme ainda em gravação, mas os produtores já esclareceram que vão lidar apenas com um período limitado da carreira dela, pouco antes da Guerra das Falklands (ou Malvinas, como preferem os argentinos, que invadiram as ilhas em 1982). Era um período em que ela sofria de grande impopularidade, resultado sobretudo do arrocho econômico que instituiu quando chegou ao poder, em 1979, semelhante ao que seus sucessores no poder hoje acabam de adotar. Fábricas fechando, desemprego, protestos nas ruas, o clima anti-Thatcher era tamanho que as pesquisas de opinião previam derrota de seu Partido Conservador nas eleições de 1983.

Aí entra a ditadura militar argentina e dá a Thatcher um presente dos céus. Invade as ilhas próximas a seu território, foco de disputa centenária sobre soberania com os britânicos. Os generais de extrema direita em Buenos Aires estavam convencidos (e assim comprovam seus depoimentos posteriores) de que a primeira-ministra, acuada e impopular, não ousaria uma ação militar tão distante. Afinal, os tempos de império britânico e domínio dos mares já tinham se acabado. Até o navio da Royal Navy que patrulhava a área tinha sido retirado, por economia.

Um fator extra de autoconfiança que os generais não admitem de público, mas alguns analistas argentinos constataram, era o fato de que lidavam com uma mulher. O machismo daqueles generais e almirantes torturadores de militantes grávidas não concebia firmeza por parte de uma senhora formada em Química na Universidade de Oxford, filha de um comerciante classe média baixa, criada politicamente dentro de um partido defensor de tradição.

O embaixador argentino em Londres poderia ter informado os generais de plantão em Buenos Aires sobre esses aspectos da questão, mas aquela junta militar não dava ouvidos a quem não usasse quepes e fardas. No plano político, o general Leopoldo Galtieri e sua quadrilha não entendiam de popularidade e jogo democrático, porque só governavam com força bruta. E no plano dos valores pessoais, o machismo falava mais forte.

Pois a Dama de Ferro despachou uma frota a milhares de quilômetros de distância, confrontou tropas argentinas mal-supridas e mal-treinadas (a não ser pela Força Aérea), venceu a guerra ao lado da Argentina e retomou a ilhas, que até hoje permanecem sob controle britânico.

Graças aos erros de avaliação dos generais argentinos, Thatcher viu sua popularidade disparar no Reino Unido (é sempre assim quando um comandante em chefe ganha uma guerra) e, menos de um ano depois, ela e seu partido tiveram uma vitória avassaladora nas eleições gerais que renovaram o Parlamento. Ela mesma deixaria o governo sete anos depois, mas os conservadores permaneceram no poder durante 18 anos e só seriam derrotados por Tony Blair, em 1997.

Silio Boccanera é jornalista em Londres (Inglaterra) e escreve para A Gazeta às segundas-feiras. E-mail: silioboccanera@aol.com


 


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