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Domingo - 12 de Março de 2017 às 19:09

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Gonçalo Antunes de Barros Neto escreve aos domingos em A Gazeta
Gonçalo Antunes de Barros Neto escreve aos domingos em A Gazeta

A democracia é potência ou é ato?

Se considerarmos possível tal dualidade, a fenomenologia de Heidegger deve ser repensada. Por esta, o fenômeno ou o relativo-absoluto continuará a ser relativo porque o "aparecer" pressupõe, em essência, alguém a quem aparecer, e o ser de um existente "é" exatamente o que o existente aparenta. Não há algo a ser observado pelo ombro do que aparenta, como se a essência lhe fosse distinta, apesar da vontade kantiana que assim fosse.

Sartre ironiza a dualidade - "o dualismo do ser e do aparecer não pode encontrar situação legal na filosofia"-, adverte em O Ser e o Nada.

O fenômeno democrático "é" enquanto resultado da interpretação daquele que o observa. Nada mais. Pensemos numa hipótese: um morador de um determinado morro carioca que se viu ocupado por uma unidade de UPP - Unidade de Polícia Pacificadora. Como a democracia o atinge? Como o fenômeno, o aparecer dessa ocupação, é lido pelo seu raciocínio, consciente ou inconsciente? A democracia enquanto essência o atinge de igual modo como a de um morador da zona sul, de Ipanema ou Leblon, por exemplo?

Essas inquietações dialéticas têm ocupado espaço na consciência crítica de estudiosos da filosofia e da sociologia política. Afinal, o que é democracia? Partindo dessa sistemática aqui adotada, depende. E depende de quê? Certamente não da dupla relatividade de Kant, porque no referencial aqui adotado a essência e o fenômeno do aparecer se equivalem. O que difere é tão somente a leitura do fenômeno pelo observador, da forma que o atinge enquanto sujeito que apreende, com autonomia na construção de seu pensamento, consciente ou não.

Se a cidadania se resumir à segurança pública, como parece ser nos morros cariocas, será isso seu referencial democrático e o Estado se legitimará pela força, pois, para o observador é esse fenômeno que o atinge.

Tomemos outra hipótese: um parlamento hermético, fechado, que não dialoga de forma direta com a sociedade. Qual o resultado prático disso? O cidadão não se vê responsável pelo próprio destino político. Tem a tendência de abstrair-se da ideia de que ele, cidadão, ajudou a construir o que aí está - bem ou mal.

Este fenômeno é bem visível nos brados: não tenho nada com isso; eles, os políticos, são os culpados. Político passa a ser fenômeno, enquanto ser, paralelo. A política, retórica, abstração de quem se alivia na indiferença.

E a democracia, como fica? Devemos reconstruí-la a todo o momento; seu conceito é dinâmico, como dinâmica o é na sua essência. Na expressão de Pablo Neruda, "a pedra cresce onde a gota tomba".

Na relativização das coisas, o que se destaca é o movimento em ato e não as luzes (ou seria trevas?) de uma insana maneira de silenciar-se.

É por aí...

Gonçalo Antunes de Barros Neto escreve aos domingos em A Gazeta (e-mail: antunesdebarros@hotmail.com).



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