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Sábado - 27 de Maio de 2017 às 14:47

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Luiz Henrique Lima é conselheiro substituto do TCE-MT.
Luiz Henrique Lima é conselheiro substituto do TCE-MT.

47.050. É um número.

47.050 pessoas. É um dado.

47.050 crianças vivendo em abrigos no país, sendo 584 em Mato Grosso. É um drama que o Brasil precisa conhecer, enfrentar e resolver.

A informação consta do último relatório do Cadastro Nacional de Crianças Acolhidas,disponível no portal do Conselho Nacional de Justiça. É um número que aumenta a cada novo levantamento.

Em outro cadastro no mesmo portal, noticia-se o número de casais ou indivíduos pretendentes à adoção. São 39.666, dos quais 788 em MT. Crianças aptas para adoção são apenas 7.635 no Brasil e 54 em MT.

Para uma criança entrar no Cadastro de Acolhidas, foi necessária uma medida protetiva de acolhimento, retirando-a das ruas ou de situações de violência e abuso no seio da família original. O acolhimento no abrigo é um passo importante e necessário, mas que não pode ser o único ou o último. Os abrigos não tratam mal a criança. Ao contrário, dedicados profissionais protegem-na dos abusos, abandono e violência que marcam sua origem. Nos abrigos, ela não passa fome, tem assistência médica e acesso à educação. Falta-lhe, no entanto, o calor de um abraço, a carícia de um beijo, a felicidade de ser amada, o que só ocorre quando é adotada.

Para um indivíduo ou casal ser incluído no Cadastro de pretendentes à adoção, teve que se submeter a um minucioso processo de investigação, bem mais rigoroso, por exemplo, que o exigido de candidatos a pleitos eleitorais. Além de certidões negativas relativas a processos judiciais, é necessário assistir cursos e palestras e passar por avaliações de equipes multidisciplinares, incluindo psicólogas e assistentes sociais.

Em nossa casa, temos um filho muito amado, cujo primeiro ano de vida transcorreu num abrigo. Fomos abençoados com a sua chegada, que renovou e multiplicou o amor e a alegria familiares. Muitas vezes, ao contemplá-lo brincando ruidosamente ou na paz de um sono tranquilo, pensamos com emoção naqueles outros meninos e meninas que com ele conviveram e que ainda aguardam em abrigos a sua vez de terem uma família.

Em 2016, foram realizadas 1.226 adoções no Brasil. Nesse ritmo, para atender todas as crianças que hoje esperam seriam necessários mais seis anos. Se formos considerar as crianças nos abrigos, seriam necessários 38 anos. Até lá, evidentemente, a infância passou e muitas milhares de novas crianças ingressaram nos cadastros de adoção e de acolhidas.

47.050 crianças vivendo a infância em abrigos, sem a presença de pais ou irmãos, sem o sentido de um lar, sem o amor de uma família.

Será que não somos capazes de resolver esse drama? Será que não somos sensíveis para não nos conformarmos com essa situação? Somos incompetentes ou, pior, indiferentes?

47.050 crianças é um número muito pequeno diante de 45 milhões de brasileiros com menos de 14 anos e de 50 milhões de famílias residentes em domicílios particulares no Brasil. É menos de uma criança para 1.000 famílias e ainda assim continuam nos abrigos. É como se nós tivéssemos mil chances de acertar a cobrança de um pênalti e errássemos todas!

584 crianças em MT representam 4 crianças por município. São 1,1 milhão de famílias no estado, ou cerca de 1.883 famílias para cada criança acolhida. Não posso acreditar que não haja em cada município mato-grossense pelo menos 4 famílias dispostas a acolherem um novo filho ou filha.

47.050 crianças sem família é um número enorme. Ainda que fossem 7.050, ainda que fossem 50, ainda que fosse só uma, seria um testemunho de nossa incapacidade coletiva de proporcionar amparo e amor.

É necessário e urgente mudar esse cenário, aprimorar a legislação, aparelhar as promotorias e Varas de Infância e Juventude, agilizar a destituição do poder familiar, reduzir o tempo de espera para os pretendentes à adoção, multiplicar campanhas de esclarecimento sobre a adoção legal e destruir mitos e preconceitos ainda existentes relacionados à adoção, especialmente as inter-raciais. Nós, brasileiros, somos amorosos e solidários. Provemos isso para essas 47.050 crianças.

Luiz Henrique Lima é conselheiro substituto do TCE-MT.



URL Fonte: http://toquedealerta.com.br/artigo/896/visualizar/