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Quarta - 22 de Maio de 2024 às 12:01

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“A humanidade precisa sair do déficit ecológico e voltar ao superávit ambiental, resgatando as reservas naturais, para o bem de todos os seres vivos da Terra, pois o ecocídio significará também um suicídio para a humanidade” José Eustáquio Diniz Alves, Ecodebate, 10/07/2017.

Desde 1994, portanto há 30 anos, inicialmente em apenas alguns países e, atualmente, em, praticamente, todos os países, a questão da RECICLAGEM passou a fazer parte da AGENDA AMBIENTAL ou ECOLÓGICA.

Assim, no dia 17 de Maio de cada ano, “celebramos” o DIA MUNDIAL DA RECICLAGEM, cabendo ressaltar que, mesmo já sendo comemorado amplamente, só em 2005 a UNESCO, agência especializada da ONU para a Ciência, a Educação e a Cultura definiu oficialmente a criação desta importante data, incluindo-a no calendário oficial da mesma e também da própria ONU, para ampliar seu significado.

A reciclagem é na verdade apenas uma forma mitigatória para enfrentar a irracionalidade humana que, baseada em um consumismo e desperdício crescentes, aumenta a cada ano o volume total e também a produção per capita de resíduos sólidos, o que popularmente denominamos de lixo, gerando uma série de problemas graves, tanto para a natureza, para o planeta quanto para a saúde humana e também para a economia.

Estamos, no Brasil, mais uma vez, inseridos em uma enorme tragédia socioambiental, talvez a maior até o momento, mas com certeza esta não será nem a a maior e nem a pior tragédia ecológica que nosso país e outros, ao redor do mundo irão se defrontar proximanente. O planeta terra está na UTI, só os negacionitas ecológicos ainda não perceberam.

Milhares de cientistas, estudiosos das questões socioambientais, institutos de pesquisas e universidades tem produzido um enorme acervo de informações e, também, alertado governantes, empresários, instituições públicas e privadas, enfim, a população em geral que o planeta terra está doente, em crise e risco de degradação acelerada.

Existem diversas causas, inclusive geológicas e “naturais”, para o furor da natureza; mas, a maior parte da causas dessas tragédias são as ações humanas, irracionais, perdulárias, gananciosas, insensatas que simplesmente ignoram que o plenta tem seus limites, além dos quais, atingimos o chamado “ponto do não retorno”, seja pelos custos das reparações, seja pela negligência, seja pelo negacionismo climático e ecológico que ainda existem nas esferas governamentais, no empresariado e, claro, também nos hábitos e estilos de vida consumista, que geram desperdício, lixo e grandes impactos na natureza, fonte última de todos os insumos/matérias-primas para a producão dos bens que consumimos.

Existem tres grandes e complexos desafios que a humanidade precisa enfrentar enquanto é tempo. Esses desafios são os seguintes: a) aquecimento global/mudanças climáticas/crise climática; b) destruição da biodiversidade animal e vegetal, que altera profundamente o equilíbrio dos biomas e ecossistenas, afetando todas as formas de vida, inclusive a vida humana; c) Degradação acelerada dos biomas, representada pela poluição, erosão, desertificação, poluição, uso abusivo de agrotóxicos, afetando profundamente o solo, o ar e as águas. No caso das águas não apenas córregos e rios, mas também todos os aquíferos, mares e oceanos que estão sendo degradados rápidamente.

É neste contexto que surge a questão da produção e destinação dos resíduos sólidos, inclusive do que chamamos de lixo, que a cada dia aumenta em volume, tipos e suas consequências para a natureza e para os seres humanos, inclusive a saúde coletiva e não apenas individual.

Esta é, portanto, a matriz geradora de todas as catástrofes socioambientais que estamos assistindo, cada vez com mais frequência e com consequências mais desastrosas, tanto em perdas materiais quanto sofrimento humano e mortes, que podem ser consideradas mortes evitáveis.

Ao longo do ano existem vários dias em que somos chamados a uma reflexão sobre aspectos importantes que fazem parte do que poderiamos denominar de CALENDÁRIO ECOLÓGICO, quando deveriamos parar uns momentos e refletirmos sobre cada um desses aspectos que “celebrar” e também refletirmos sobre a importância de melhor cuidar de “nossa Casa Comum”, como o Papa Francisco tem enfatizado referindo-se `a degração de destruição do Planeta Terra.

Desde o início deste ano até este 17 de Maio quando é considerado o DIA MUNDIAL DA RECICLAGEM, o Calendário Ecológico contemplou alguns aspectos importantes nesta luta em defesa da Casa comum, tais como: 11 de Janeiro, Dia do Controle dos Agrotóxicos; 02 de Fevereiro Dia Mundial de protenção das zonas úmidas; 16 de Março, Dia mundial da conscientização sobre as mudanças climáticas; 22 de marco Dia Mundial da água; 30 de Março, Dia Mundial do LIXO ZERO, 15 de Abril, Dia Nacional da Conservação do solo; 22 de Abril Dia da Terra, cujo temas este ano foi “PLÁSTICOS X PLANETA”.

E, ao longo dos demais meses, diversos outros dias que constam do CALENDÁRIO ECOLÓGICO, deveriam nos induzir `a reflexões mais profundas sobre diversos aspectos da realidade socioambiental e que acabam sendo as principais causas da degradação ambiental e dessas tragédias que ja estão se tornando o chamado “novo normal”, sob o qual viveremos e sofreremos mais ainda nas próximas décadas, a menos que governantes, empresários e a população em geral mudem seus estilos de vida, sistemas produtivos, de gestão pública e as relações que mantemos com a natureza e na sociedade em geral.

Voltando `a questão da produção de resíduos sólidos, cabe ressaltar que além do consumismo e do desperdício, o aumento, crescimento da população mundial é também um dos fatores do aumento da produção total de lixo, pois `a medida que aumenta a população mundial isto impulsiona o consumo irresponsável, que é o consumismo e o desperdício, que também é uma forma distorcida e irracional de nos relacionarmos com a natureza e a economia.

Apenas para refletirmos e imaginarmos como o crescimento populacional global impacta da produção/geração de lixo, cabe mencionar que a população mundial atingiu dois bilhões em 1927, em 1950 a população mundial passou para 2,5 bilhões de pessoas e apenas meio século, no ano 2000 o planeta já tinha 6,1 bilhões de habitantes. Em 2024 atingimos 8,0 bilhões, sendo que as projeções indicam que em 2027, dentro de tres anos apenas a população mudial será de 8,3 bilhões de habitantes, ou seja, em um século, de 1927 a 2027, o crescimento populacional do mundo foi de 6,3 bilhões de pessoas, ou seja, 215%.

Todavia, não é apenas o crescimento total da população que impacta a geração de resíduos sólidos/lixo, existem outros fatores, como por exemplo, o crescimento das cidades, a urbanização que aumentou e continua aumentando em rítimo muito maior do que o crescimento geral da população.

Em 1927, a população urbana mundial era de aproximadamente 10% da população, ou seja, em torno de 200 milhões de pessoas vivendo nas cidades; passando para 38% em 1976, atingindo 1,6 bilhão de habitantes nas cidades; dando um salto em 2016 para 55% da população total nas cidades, chegando a 4,0 bilhões de habitantes.

As projeções demográficas indicam que em 2027, em um século, a população urbana terá aumentado de 200 milhões, para 4,7 bilhões de pessoas e em 2050 a urbanização mundial será de 68% da população total, atingindo 6,6 bilhões de pessoas, consumidores que irão gerar um volume de lixo imenso.

Dois outros fatores que também impactam o consumo, o consumismo e o desperdício, enfim, a produção de resíduos sólidos tem sido o crescimento da renda per capita mundial, principalmente nos países anteriormente considerados de renda baixa e méida, o que significa mais renda pessoal/familiar e aumento acelerado do consumo de bens e serviços.

Finalmente, cabe ressaltar que até meados da década de 1960, a grande maioria dos países estavam em um patamar de desenvolvimento muito menor do que os países europeus, os EUA, Canadá e o Japão. Desde então países populosos, principalmente a China, a Índia, o Brasil, a Indonésia, Nigéria, Bandagladesh e também quase uma centena de países romperam e estão tentando romper com as amarras do subdesenvolvimento e promovendo uma melhor qualidade de vida e isto representa uma elevação nos e dos padrões de cosnumo desses países, que, como consequência implica um aumento super acelerado na produção de resíduos sólidos em nível mundial.

Diversos analistas das questões ambientais ressaltam o fato de que se os países da Ásia, da África e da América Latina, que até o final do século passado estavam, praticamente, `a margem da chamada “sociedade de consumo”, atualmente estão seguindo o mesmo modelo dos países mais desenvolvidos que alimentam uma economia perdulária e destruidora dos recursos naturais, o planeta não terá condições suficientes para garantir tal volume de consumo e de lixo.

Afinal, os chamados insumos que são retirados da natureza para a produção desses bens, são esgotáveis e vários deles contribuem para piorar a situação ambiental do planeta, como no caso dos combustíveis fósseis (PETRÓLEO, GÁS NATURAL e CARVÃO), que são responsaveis, direta ou indiretamente, pelo maior volume de gases de efeito estufa que provocam o aquecimento global e a crise/emergência climática, exigindo o compromisso dos países pelo fim do uso dessas fontes sujas de energia.

Finalmente, precisamos refletir que em pouco mais de seis décadas a produção de lixo em geral, principalmente o lixo plástico, tem crescido em rítimo muito maior do que o crescimento mundial da população, tanto geral quanto população urbana e também muito mais rápida do que o crescimento da renda per capita mundial.

Como exemplo, podemos mencionar a questão do lixo plástico, que em 1950 era de apenas 2 milhões de toneladas ano, passando para 70 milhões de toneladas em 1980, dando um salto enorme chegando a 310 milhões de toneladas em 2010, aumentando em 54,8% em apenas uma década, chegando a 480 milhões de toneladas em 2020 e as previsões, que podem parecer catastróficas, mas que é uma realidade possível de visualizar em um curto horizonte, em 2030 o lixo plástico atingirá 1,050 bilhão de toneladas e em 2050 mais de 3,4 bilhões de toneladas e será responsável por 45% de todo o lixo que será produzido no planeta.

O índice de reciclagem geral no mundo em 2023, foi de apenas 19%, sendo que na Ásia, onde estão concentrados mais de 60% da população mundial este índice é de apenas 6% e no Brasil de apenas 4%, cabendo um destaque que o Brasil já é o quarto maior gerador de lixo plático do planeta, atráz da China, EUA e Índia, apesar de ser apenas o sexto país mais populoso do mundo.

Reciclar é preciso, pois re-aproveita materiais que serão descartados e irão contribuir para a degradação do solo, das águas e do ar. Reciclar contribui também para reduzir a busca por mais insumos e recursos da natureza, estimulando a chamada economia circular, dando uma vida mais longa para esses bens.

A reciclagem está assentada sobre alguns “Rs”, que representam a sustentabilidade, meta última para que possamos salvar o planeta de tanta degradação e destruição. Existem os chamados cinco “Rs” que são: Repensar (pensar antes de comprar e não consumir por impulso); Recusar (evitar de comprar e usar produtos que ajudam a destruir o planeta, como os plásticos e outros mais); Reduzir (adquirir apenas o que seja realmente necessário, evitar o desperdício); Reutilizar (sempre que possível, procurar descobrir novas funções para os bens que podem acabar no lixo) e, Reciclar (separar os tipos de lixo, dando nova destinação ao lixo que pode voltar ao sistema produtivo).

Mais de dois terços das cidades no Brasil não tem sequer coleta de lixo e praticamente menos de 10% das que tem coleta regular de lixo praticam a reciclagem. Nete sentido precisamos de duas medidas: estimular via educação ecológica para que a população tenha um melhor cuidado com o lixo, inclusive, separando os tipos de lixo, facilitando a reciclagem e, segundo, mobilizarmos para pressionar que todas as prefeituras coletem o lixo urbano e que implemente a coleta seletiva, tornando-a obrigatória, definida em lei municipal.

O índice de geração de lixo per capita/dia no mundo é de 0,74kg enquanto no Brasil já é de 1,10 kg per capita/dia, e em alguns países do chamado primeiro mundo, este índice chega até a mais de 2,0kg per capita/dia. Se em todos os países este índice chegar ao que existe nos países do primeiro mundo, nosso planeta não terá condições de existir, viveremos em meio a crise/emergência climática, mais tragédias ambientais e inseridos em uma grande lixeira planetária.

Finalmente, para finalizar esta reflexão, gostaria de mencionar mais um “R”, que também deveria fazer parte deste processo que é o REALMAR A ECONOMIA, enfatizado pelo Papa Francisco, ou seja, a mudança radical dos paradígmas que alimentam os atuais sistemas econômicos, principalmente o sistema capitalista que faz parte da chamada ECONOMIA DA MORTE, substituindo-os por novos paradígmas, mudança de hábitos de consumo, estilo de vida que é chamada de ECONOMIA DA VIDA.

O Papa Francisco tem enfatizado que precisamos voltar a um estilo de vida mais frugal, menos consumista, menos perdulário e que os empresários não devem orientar suas atividades apenas por uma corrida tresloucada buscando o lucro imediato, alimentado por um marketing/propaganda que estimula o cosumismo e todas as distorções que geram um volume imenso de lixo, quase que impossível de dar-lhe uma destinação correta. “Podemos ser felizes, com menos”, diz o Bispo de Roma.

A ONU também estabeleceu em 2015, mesmo ano em que o Papa Francisco publicou a Encíclica Laudato Si e foi aprovado também o Acordo de Paris, como forma de se combater as mudanças climáticas, o Objetivo do Desenvolvimento Sustentável de número 12 “Consumo e produção sustentável e responsável”, que ao lado dos demais 16 objetivos representam um marco signficativo para que os países orientassem o desenvolvimento nacional, tendo 2030 como horizonte para essa caminhada, a chamada AGENDA 2030.

Assim, neste DIA MUNDIAL DA RECICLAGEM, precisamos refletir sobre esta questão, não de forma isolada, mas em um contexto global, como ressalta a Encíclica Laudato Si e a Exortação Apostólica Laudate Deum “Tudo está interligado, nesta Casa Comum”.

É muito melhor agirmos hoje, do que chorarmos ou lamentarmos quando tragédias como a que estamos assistindo no momento no Rio Grande do Sul, servem como um alerta.

“Hoje, não podemos deixar de reconhecer que uma verdadeira abordagem ecológica, sempre se torna uma abordagem social (e econômics), que deve integrar a justiça nos debates sobre o meio ambiente, para ouvir tanto o clamor da terra quando o clamor dos pobres” Laudato Si, 49.

Juacy da Silva, professor fundador, titular e aposentado da Universidade Federal de Mato Grosso, Sociólogo, mestre em sociologia, ambientalista, articulador da Pastoral da Ecologia Integral. Email profjuacy@yahoo.com.br Instagram @profjuacy Whats app 65 9 9272 0052



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